Era um sábado bem quente e o dia estava ensolarado do meu jeito favorito - quase nenhuma nuvem no céu e de vez em quando batia um vento fresco que levava o desconforto do calor embora. No fim da manhã tomei um banho, vesti uma roupa confortável o suficiente para ficar algumas horas sentada e fui a caminho do meu compromisso, de uber, como sempre, porque eu estava atrasada, como sempre. Esse compromisso tinha começado alguns meses antes, quando abri o Twitter e vi um post anunciando a nova temporada de Wicked no teatro Santander.
Quando ainda era criança ganhei, de uma pessoa muito querida, a edição de bolso de O Mágico de Oz, lembro que demorei um tempo até pegar o livro para ler, mas em um dia das férias da escola eu devorei a história inteira. Fiquei encantada por como uma garotinha tão pequena podia ser tão corajosa e astuta. Nos meses seguintes, todo mundo que me perguntava qual era meu livro favorito, eu enchia o peito para dizer O Mágico de Oz!
Um tempo mais tarde, já obcecada por YouTube e criadoras de conteúdo, esbarrei em um vídeo da Karol Pinheiro, nos bastidores da primeira edição de Wicked no Brasil. Eu nunca tinha ouvido falar nesse nome, não tinha nenhum contexto sobre o assunto, mas ali, durante os quase vinte minutos de vídeo eu fiquei vidrada na Myra Ruiz e na Fabi Bang. Tinha algo mágico nelas, algo que eu nunca entendi mas que me fisgou inteirinha - e me fisga até hoje.
Dali se abriu uma porta, comecei a buscar mais e mais vídeos sobre Wicked - a maioria era em inglês, eu não falava a língua e a tecnologia das legendas automáticas ainda não existia - li blogs, portais, sites… Tudo que eu achava de Wicked eu engolia. Menos a peça, porque em 2016 eu não tinha um real no bolso e o teatro era algo distante e inacessível para a minha realidade. Então eu desisti. Ainda guardava certo carinho por tudo o que descobri, mas a obsessão tinha passado, a realidade me alcançado e guardei tudo numa caixinha verde-esmeralda e rosa brilhante.
Até que um dia, tão ensolarado quanto o que começa essa história, eu abri o Twitter e vi um vídeo anunciando que em 2023 Wicked voltaria aos palcos em São Paulo. Bastou isso, alguns segundos rápidos e sem muitas informações, para me fazer pegar meu cartão, anotar a data do começo das vendas no planner e aguardar ansiosamente como uma criança esperando por seu doce favorito.
Vendas abertas. Escolhi o dia. Fim de semana de estreia, uma poltrona próxima o suficiente do palco, às 15h da tarde. A primeira sessão do primeiro sábado. Tirei a caixinha guardada dentro de mim, sacudi a poeira e entre o dia da compra e o dia da minha sessão eu resgatei tudo o que tinha descoberto sobre o musical. Escutei a tracklist da peça original, revisitei todos os vídeos e posts de blog que eu tinha lido e até achei algumas gravações da versão de 2016 no YouTube. Assisti todas que consegui. Não me importava se isso ia ou não estragar a magia, nenhuma tela tem o poder de tirar o incrível de algo que a gente vê com os próprios olhos.
Eu cheguei ao teatro um pouco antes da sessão começar, vi meu autor favorito na fila, mas não tive coragem de tietar (oi vitor martins). Pensei se comprava ou não uma pipoca, mas me dei conta que não daria tempo de comer tudo, e era “terminante proibido comer e beber durante o espetáculo”, lembro de ler isso em uma placa. Na lanchonete alguns biscoitos e doces temáticos completavam a decoração. Lembro de ter visto algumas meninas de verde e rosa. Achei fofo. Eu estava de rosa, mas a escolha foi pelo acaso, eu sempre me identifiquei mais com a Elphaba. Peguei o folheto da peça, passei o olho pelos nomes e vi que existia uma premiação para quem fosse mais de uma vez assistir. Achei curioso e pensei se se havia realmente alguém que conseguiria bancar mais de trinta idas ao teatro durante a temporada.
Entrei na sala e o ar estava mais gelado do que esperava, sentei no meu lugar mas logo chegou uma família e me pediu para trocar. Aceitei. No fim, a troca foi ótima porque fui uma fileira para frente e ao invés de sentar do lado de um casal beijoqueiro, sentei ao lado de três senhoras amigas. Enquanto a peça não começava eu reparava em tudo, as amigas do meu lado vestiam branco, azul marinho e vinho, respectivamente. O palco era gigantesco, tinha luzes amarelas, a sessão estava lotada e pude avistar meu autor favorito de novo, algumas fileiras à frente dessa vez.
As luzes diminuem, e algumas batidas fortes começam a tocar e o musical teve o seu início. Todas as coisas que iam se desdobrando no palco me faziam ficar imóvel, na tentativa de não perder nenhum detalhe. Meu olho chegou a arder por segurar, por tempo demais, as piscadas involuntárias. Mas foi em O Mágico e Eu que me desfiz na poltrona e me vi pertencente à história.
Na música, a Elphaba deposita, na possibilidade de um encontro entre ela com O Mágico, toda sua expectativa de mudança de vida - afinal, ela é verde, renegada pelo pai, desprezada pela irmã e vítima de bullying constante por onde passa. Para ela, passar a conviver com alguém de tanto respeito como o mágico faria com que as pessoas a respeitassem também e, de certo modo, que as pessoas passassem a enxergá-la para além da sua cor. Em dado momento da música, ela até imagina o mágico usando seus poderes para desverdear seu tom.
Com os versos, dessa vez escutando ao vivo, fui levada para todas as vezes que confrontei o espelho, depois de um comentário maldoso, de um olhar torto, de um momento sem voz e em como eu pedia aos céus, todos os dias, para encontrar o meu mágico, algo que me faria ser instantaneamente vista, respeitada, adorada. Guardo esse momento com muito carinho, como um abraço quentinho de quem diz que sabe o que eu tô sentindo, não como empatia rasa, mas como quem realmente sabe.
Mais tarde a gente descobre que esse encontro com o mágico é furada, quase um lembrete em verde neon de que no fim do dia não existe milagre ou altruísmo capaz de salvar nós, garotas erradas, da dura e verdadeira realidade que é existir. Elphaba precisa encontrar seu poder sozinha e lidar com as consequências de sua rebeldia, o que a torna a bruxa mais poderosa (e procurada) de toda Oz. Outro movimento comum para nós. Essa coisa de buscar nosso poder nos empodera, nos liberta, nos transforma em pessoas gigantes, mas tem consequências e às vezes elas doem um pouquinho.
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Esse mês, Wicked volta ao público em forma de filme e minhas expectativas estão tão altas que alcança um nível bastante perigoso, mas duvido e confio que a frustração não vai me alcançar. O que mais me deixa ansiosa é saber que finalmente terei uma versão dignamente gravada para ficar assistindo e reassistindo várias e várias vezes como já tanto fiz com as filmagens clandestinas do youtube.
Espero que todos que encontrem essa história nas telas se sintam tão abraçados quanto eu me senti na tarde ensolarada de março. Que todos encontrem a magia de Wicked e descubram o caminho para desafiarem a gravidade.
Um beijo, tá!
Faltam 41 dias pra eu ir ao teatro assistir wicked. Um mês de março, mês do meu aniversário e dia em que eu completo 4 meses de namoro. (Tambem fui pedida em namoro no dia em que assisti o filme no cinema). To ansiosa 🥰
sério, pareceu que eu tava junto com você no momento só de ler a sua memória desse dia incrível 😍😍😍